segunda-feira, 18 de julho de 2016

Uma ementa americana extraordinária


Descobrir a origem desta ementa não foi uma missão fácil. Demorou-me vários dias de investigação e ficaram ainda por esclarecer alguns pormenores.
É uma ementa do século XIX, feita à mão, com o feitio do que me pareceu ser um balão e, quando aberta se transforma num leque. Não posso no entanto confirmar a associação ao balão porque no ano a que se refere a ementa todas as tentativas de voos em balão resultaram em insucessos completos, que finalizaram em acidentes graves.
As capas da ementa são revestidas no exterior a seda e no interior a cetim. Dentro contém 5 folhas cartonadas onde está escrita a ementa acompanhada de desenhos alusivos aguarelados à mão.
A primeira surpresa deve-se ao facto de não ter títulos nas várias folhas como era habitual numa refeição servida “à russa”, em que a ordem dos alimentos no Menu era a seguinte: Potage, Hors d 'œuvre; Relevés, Entrée chaude; Entrée froide; Roti; Legume; Entremets e Sucrés.
A ementa data de 1875 e seria de esperar que nos Estados Unidos não se encontrasse esta ordem de alimentos em data tão precoce e ainda por cima numa casa particular, quando a divulgação desta forma de apresentação dos alimentos à mesa se deu na Europa, primeiramente nos restaurantes.
 
Mas a resposta deve-se ao facto de estarmos perante um jantar dado por uma das principais socialites da época, famosa em Nova Iorque pelos jantares e festas que organizava.
 
O seu nome era Annette Wilhelmina Wilkens Hicks e descendia de uma antiga família colonial de origem inglesa, na linha directa de Sir Francis Rumbolt. Annette nasceu no Suriname, um país da América do Sul onde se fala holandês, em 1835, filha de Wilco Peter Wilkens, um rico plantador holandês e de Adelina Schenck, descendente da família Rumbolt. A família foi viver para Nova York até à morte do pai.
Foi nessa cidade que conheceu e casou com um homem com o dobro da sua idade, Thomas Hicks, de quem tomou o apelido[1]. O casal foi viver para Manhattan até à morte de Hicks em 1866. A viúva Hicks, como era conhecida, foi depois viver para o nº 10 West da 14th Avenida, onde dava magníficas recepções que a tornaram famosa não só pelos entretinimentos que oferecia mas também pela sua beleza e elegância no vestir.
Annette viajou também pela Europa onde foi apresentada nos mais selectos círculos de Paris e Londres. Em Londres ocupava as melhores suites do Hotel Claridge e em 1874 foi apresentada à rainha Victoria pelo ministro americano general Robert Schenck. Mais tarde em 1877 esteve presente na recepção e jantar oferecido pela rainha ao presidente americano Ulisses Grant, dado em Londres, no Guildhall. Foi apontada como noiva de vários pretendentes nobres britanicos, um dos quais pode ter sido o convidado de honra deste jantar, que não consegui identificar .
NYC Marriage & Death Notices 1843-1856. NY Society Library.

Pagina em que se lê no recorte de jornal a notícia do casamento. NY Society Library.
Em 1877 Annette casou secretamente com Thomas Lord, um rico comerciante, já octogenário o que levantou problemas com os filhos deste e foi objecto de comentários nos jornais da época. Em 1879[2] o marido estava já muito doente e viria a falecer pouco depois. 
Casa Hicks-Lord - Imagem tirada da internet.
No final do século Annette deixaria a sua casa na 14th avenida e foi viver para uma outra casa, construída em 1850, que ficou conhecida como a Casa Hicks-Lord, localizada em 32 Washington Square West. A casa foi destruída em 1925 para ser construído um edifício de 16 andares.
Annette viria a falecer em 6 de Agosto de1896[3].



[1] Casamento 1851: Na quarta-feira, 7 de inst, na igreja holandesa do Norte, pelo Rev. Dr. Schenck, de New Jersey, o Sr. Henry W. Hicks, a Miss Annette Wilhelmina, filha do falecido Wilco Peter Wilkens.
[2] Noticias sobre o seu estado de saúde saíram no jornal The Baltimore Daily News, January 13, 1879 e em muitos outros, que não deixavam de continuara a comentar ainda as condições do casamento.
[3] Óbito noticiado na Gazette of Alexandria.

2 comentários:

Sofia Loureiro dos Santos disse...

Isto é mesmo jornalismo de investigação!
Parabéns!
Tu descobres cada coisa...
Bjs

Ana Marques Pereira disse...

Sofia,
Acho que são as coisas que me descobrem a mim. Depois é só fazer interrogações. Um bj.