terça-feira, 17 de novembro de 2015

O Grand Hotel Continental em Lisboa

Este hotel situava-se no Largo de S. Domingos 14, no palácio Regaleira. O edifício, construído no século XVIII, pertenceu durante mais de um século aos barões da Regaleira. Foi herdado por D. Ermelinda Allen (1768-1858), família de origem britânica estabelecida no Porto, que casou em 1791 com José Monteiro Almeida de quem tomou o nome. Em 1840 receberia o título de baronesa da Regaleira.
Escadaria do Palácio Regaleira. Foto Serra Ribeiro. ABC 1921
Com uma vida social intensa recebia e dava festas na sua casa de Lisboa, vivência que repartia por outros locais como o palácio do Beau-Séjour, uma residencia de veraneio ou a Quinta da Regaleira em Sintra, entre outros. Foi sua herdeira a sobrinha Maria Isabel Allen, 2ª baronesa da Regaleira (1808- 1889) que casou com João Carlos de Morais Palmeiro e que viria a efetuar a venda destas propriedades progressivamente. Em 1898 seria a vez do palácio da Regaleira em Lisboa.
Largo de S. Domingos, 1968. Foto de Armando Serôdio. Arquivo Municipal de Lisboa
O edifício foi ocupado por vários estabelecimentos comerciais como uma vacaria e foi nele que se instalou também, no final do século XIX, o Grande Hotel Continental. Já aí existia em 1892 e continuava em funcionamento no final de 1897, não me tendo sido possível determinar com exactidão a data de encerramento. 
Era seu proprietário Manuel Gonçalves que se orgulhava, na publicidade ao hotel, da sua situação central junto ao Rossio e perto da estação de caminhos de ferro. Anunciava também que desde sempre existiam no hotel filtros Chamberland. Este “sempre” referia-se seguramente ao início do hotel uma vez que o filtro de porcelana Pasteur-Chamberland, fora inventado por Charles Chamberland em 1884. Destinava-se à purificação da água, eliminando bactérias, preocupação muito moderna na época.
Foto tirada da internet
O Grande Hotel Continental tinha um restaurante onde eram servidas refeições e cujos menus eram publicitados no jornal Diário Illustrado. Analisaram-se as ementas de 1892, 1894, 1896 e 1897 de que se apresentam como exemplos os menus de 7 de julho de 1892 e o de 29 de Março de 1896. Eram constituídos por potage, sendo a mais habitual a de crevettes e a canja de galinha. Seguiam-se os hors d’oeuvre com petits pâtes à la parisienne ou outros; o relevé com peixe em filetes ou outro; a entrée com fricandeau de veau ou lombo à jardineira; nos legumes eram servidos espargos, ervilhas ou favas; no rôti era frequente o peru assado. Seguiam-se depois os entremets e o dessert, onde surgiam os gelados e os choux variados.
As ementas eram quase sempre escritas em francês, como então eram moda, mas encontraram-se alguns pratos em português ou num misto das duas línguas ou ainda com palavras francesas aportuguesadas.
Os almoços, a primeira refeição do dia, eram servidos entre as 9 e as 12 horas e custavam 500 réis. Quanto aos jantares, eram servidos entre as 4 e as 8 horas e custavam 600 réis, incluindo meia garrafa de vinho e café. O restaurante possuía também gabinetes onde podiam ser servidos os jantares por 800 réis. Quanto aos aposentos o seu preço diário situava-se nos 1000 réis e acima e aceitavam também pensionistas.
É provável que o hotel já não funcionasse em 1901. Aí se alojou em 1902, o Liceu Nacional de Lisboa, que viria a dar a actual Escola Secundária de Camões, que chegou a partilhar o edifício com uma vacaria e uma loja de mobílias. O projecto de uma nova construção para o Liceu, por Ventura Terra, em 1907, levou à mudança do estabelecimento de ensino deste local.  Mais tarde aí esteve também em funcionamento um teatro (Teatro Rocio Palace).
Interior do Regaleira Club. Foto Serra Ribeiro. ABC 1921
Nos anos 20, no mesmo local, funcionou o Regaleira Club que tinha igualmente serviço de restaurante que começava às 19 horas e que era acompanhado de variedades e musica de Jazz-bands. A partir das 20 horas podia ouvir-se musica tocada por um quinteto dirigido pelo violinista F. Remartinez. Foi um dos mais famosos clubes de Lisboa com uma grande beleza interior documentada em fotografias da época
Desde Maio de 1939 aí funciona a ordem dos advogados que recuperou o edifício.
Pelos escritos que foram consultados deduzo que existia um total desconhecimento deste hotel, havendo apenas referência no local ao Regaleira Club, pelo que achei importante, dá-lo a conhecer.
Bibliografia: 
- ABC , 7 de Junho de 1921.
- Vaz, Cecília Santos, Clubes nocturnos modernos em Lisboa, Tese de mestrado, 2008.
- Teixeira, Manuel Domingos Moura, Mundanismo, transgressão e boémia em Lisboa dos anos 20 – o club nocturno como paradigma, Tese de licenciatura, Universidade Lusófona, 2012.
- Diario Illustrado, 1892- 1900.

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