quinta-feira, 10 de maio de 2012

2 - A margarina em Portugal

Passemos agora ao caso português. A primeira produção de margarina foi feita pela firma Santos & Viana que, a 1 de agosto de 1921 pedia o registo do nome «Fábrica Nacional de Margarina» com sede na Rua da Praia da Junqueira, nº 4-5 em Lisboa[1]. Em 1934 esta empresa surgia como única produtora de margarina no Anuário Comercial desse ano. A fábrica mantinha-se no mesmo local e tinha escritório e depósito na Rua dos Correeiros em Lisboa, nº 152[2]. Em 1959 tinha depósito no Porto na Rua D. João IV, 624[3]. Esta fábrica funcionou até 1976, encontrado-se à data do encerramento localizada na zona de Sacavém.
Apenas em 1926 surgiu novo pedido de registo feito por uma firma de comerciantes Gomes & Vale, Limitada, estabelecidos na Rua Formosa nº 343 a 353, no Porto[4]. Esta empresa ainda hoje existe na mesma morada e dedica-se ao comércio a retalho em supermercados e hipermercados. A marca da margarina «Farmer», que se apresentava em caixas redondas, semelhantes às de manteiga, tinha no centro a imagem de uma menina e um menino holandeses e ao fundo via-se um moinho, igualmente holandês que fazia suspeitar da proveniência da margarina, embora tal não estivesse especificado. Os dizeres da caixa encontravam-se em inglês e português: «The nicest of all» e «Ask always for Farmer’s» e em baixo «Delight – Caseiro» e «Portugal».
No final do ano de 1926, a firma Estabelecimentos Jerónimo Martins & Filho, com sede em Lisboa na Rua Garret, 13 a 23 pedia o registo da margarina «Cowerd-Vaqueiro»[5], apresentada igualmente em caixa redonda com as palavras em inglês. A margarina era «prepared for tropical climate» e a empresa identificava-se como «sole importers». No ano seguinte era registada pela mesma empresa a marca da margarina «Deliciosa» «especial para pão», onde surgia uma holandesa com touca a barrar o pão para uma outra figura feminina.
Foi também em 1927 que a empresa holandesa de que falámos no poste anterior, a Naamloze Vennootschap de nieuwe margarine fabrieken, com sede em Rijswick, regista em Portugal a margarina «Padaria» «prepared for tropical climate» «especial para folhados»[6] e a margarina «Dutch Lady (Hollandesa)»[7].
Ainda nesse ano a mesma firma registou um produto com imagem semelhante à margarina importada pela Jerónimo Martins, mas designada «Salted Selected Butter» «prepared with margarine for tropical climate»[8]. Esta legendagem levantava sérias dúvidas se se tratava de manteiga misturada com margarina ou apenas margarina, o que levou a que varios países legislassem sobre este assunto, para evitar falsificações. Foi, como dissemos, esta uma das razões porque a expressão «butterine» foi alterada para «marguerine», nos países de língua inglesa.
O Grupo Jerónimo Martins iniciou a sua actividade na Indústria no início da década de 40, com a inauguração da Fábrica Imperial de Margarina, Lda. (FIMA), em 1944, em Sacavém, dedicada à produção de margarinas e óleos alimentares. Aí passou a ser produzida a margarina «Cowerd-Vaqueiro».
Durante o ano de 1928 vários comerciantes pediram registos de margarina de que se desconhece a origem. Foi o caso da firma Silva & Cª, comerciantes situados na Rua dos Douradores, nº 194-196, em Lisboa, que registaram a marca «Margarina Pastora»[9] e da firma A. Morais Nascimento, Limitada, que pediu para registar a «margarina Barqueiro»[10], ou da firma Buzaglo, Santos Moreira, Lda, que registou as margarinas das marcas «Buzaglo» e «Coroa»[11]. Já Isaac Esaguy importava da Holanda, em 1929, uma «Margarine de La Hollande pour les Pays du Sud», de que se dizia o único importador[12] , tal como a Companhia Comercial Portuguesa, Lda. que importava da Holanda a margarina das marcas «Diana»[13] e «Romana»[14].
No Porto foi registada a «Margarina Serrana» pela Sociedade de Alimentação[15], em 1929, e nos anos que se seguiram foram feitos outros registos que aqui não mencionamos para não alongar mais o texto.
 
Em 1964 sugiu uma nova margarina a «Margarina Chefe», produzida pela Fábrica Nacional de Sabões, Lda.
Na década de 70 ambas as margarinas mais famosas, a «Vaqueiro» e a «Chefe», publicaram livros de receitas de que fazia parte o seu produto. Do lado da Margarina Chefe estava Bertha Rosa Limpo, autora do livro Pantagruel enquanto a responsável pela maior parte das receitas da Vaqueiro foi Francine Dupré. Desta luta de publicações ganharam as donas de casa que certamente experimentaram novas receitas numa época em que eram escassos o dinheiro e o número de publicações de culinária.
Data dos anos 60 a produção de margarinas suaves com alto teor de ácidos gordos insaturados, que tornava as mesmas mais moles e obrigava à utilização de embalagens de plástico. Ainda em 1958 surgiu em Portugal a margarina «Planta», em 1968 era lançada a «Flora», e nos anos 70 a «Becel», todas do tipo margarina para barrar. Da publicidade e das embalagens desapareciam as vaquinhas e surgiam as flores do prado.
Apesar desta produção, em 1968, no livro «Trabalha para ti. Vinte Industrias caseiras», ensinava-se a fazer margarina a partir da gordura de vaca ou boi. Começava-se por usar uma peneira para eliminar as gorduras e as peles e aquecia-se a gordura em banho maria a 45º durante 2-3 horas. Isto permitia separar a parte sólida da líquida, escorrendo esta última para uma vasilha onde solidificava. Esta pasta introduzia-se em sacos de pano e submetia-se a pressão para retirar a restante parte oleosa. Era este o óleo margarina enquanto o que ficava no saco era estearina. Colocava-se depois o óleo margarina numa batedeira com metade do seu peso de leite e outra porção idêntica de água. Após 15 minutos de centrifugação formava-se numa nata semelhante à do leite, que batida novamente, ia dar origem à margarina.
Nos últimos anos tem aumentado o consumo de margarina impulsionado pelo marketing, com publicidade insistente sobre o agradável sabor e as suas características que a tornam mais fácil ao barrar o pão.
A margarina, que presentemente é feita com óleos vegetais, tem sido apresentada como mais saudável por conter óleos ricos em ácidos gordos polinsaturados, mas a hidrogenização das gorduras transforma-as em formas trans, o que levanta problemas. Este tema das vantagens versus inconvenientes tem sido recorrente desde que a margarina fez o seu aparecimento no século XIX.
Para quem gosta de manteiga, como é o meu caso, é o tipo de discussão que me passa completamente ao lado.
Interessante é ser esta a história de um alimento que não existia e que foi criado pelo homem para colmatar as suas necessidades, numa época de dificuldades económicas.




[1] BPI, 1921, nº 8, 5 de junho, p. 521.
[2] Anuário Comercial de Portugal, p. 1081.
[3] Anuário Comercial de Portugal, 1959, p. 1847.
[4] BPI, 1926, nº 10, 28 fevereiro, p. 373.
[5] BPI, 1926, nº 12, p. 458.
[6] BPI, 1927, nº 3, p. 103.
[7] Ibidem.
[8] BPI, 1927, nº 7, setembro, p. 282.
[9] BPI, 1928, nº 7, outubro, p. 330.
[10] BPI, 1928, nº 7, p. 333.
[11] BPI, 1928, nº 9, p. 425,
[12] BPI, 1929, nº2, p. 57.
[13] BPI, 1929, nº 2, p. 63.
[14] BPI, 1929, nº 8, p. 328.
[15] BPI, 1929, nº 5, p. 189.

3 comentários:

T disse...

Francine Dupré que era a Maria Lurdes Modesto, não era? Não sei onde li isto já.

Ana Marques Pereira disse...

Teresa,
A Maria de Lurdes Modesto confirmou numa entrevista que usou esse pseudónimo quando trabalhou na FIMA. Mas antes dela já tinha sido usado por outras duas pessoas.
Não sei quais os livros que lhe podem ser atribuídos.
Um abraço

Anónimo disse...

Olá Ana

Parabéns pela sua excelente explicação. Realmente a margarina, principalmente a Vaqueiro, era imprescindível na cozinha portuguesa.
Quanto à Maria de Lourdes Modesto, foi minha professora de Lavores Femininos. Com ela aprendi a fazer ajour e bainhas abertas. O primeiro programa de culinária que apresentou na televisão foi um prato em que entravam alcachofras.
Cumprimentos
if