quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Na pista da Tarte Tatin

O António Teixeira sugeriu-me há tempos que falasse sobre a Tarte Tatin. Nunca me teria ocorrido falar sobre este tema, mas é com imenso gosto que o faço.

Fundamentalmente é uma tarte de maçãs caramelizadas, cobertas com uma camada de massa, habitualmente folhada. Depois de pronta apresenta-se ao contrário do modo como foi cozinhada, com as maçãs para cima.

Foto de Romulo Yanes para "Epicurous"

A Tarte Tatin é muito apreciada pelos franceses e mal conhecida pelos portugueses. É também conhecida por «Tarte ao contrário» (tarte á l'inverse) porque se apresenta de «pernas para o ar», isto é, com a parte de baixo virada para cima.

Esta forma de apresentação tem levantado muitas dúvidas sobre a sua origem. Terá sido feita assim de propósito ou será que foi um desastre culinário que se transformou num sucesso?. As histórias sobre a sua criação rodam todas à volta de um acidente culinário, que passa pela queda da tarte ou pelo queimar do ponto de açúcar e que a improvisação de uma das irmãs Tatin, ao inverter a sua forma de apresentação, resultou num sucesso.
No Larrousse Gastronomique (na edição de 1967 e omitida na original de 1938) atribui-se a sua origem e subsequentemente o seu nome às irmãs Tatin (Stephanie e Caroline), que a teriam ”inventado”, na transição do século XIX para o século XX. Juntamente com seu pai Jean Tatin tinham um hotel com restaurante em Lamotte-Beuvron, perto de Orleães. O hotel chamava-se “Terminus” e ficava junto á estação de caminho de ferro, uma inovação, uma vez que o comboio aí tinha chegado em 1847. O Larrousse chama-lhes as «Meninas Tatin» e considera o prato como uma pastelaria de região de Soulogne.
Contudo Ali-Bab na «Gastronomie Pratique», publicada pela primeira vez em 1907, descreve os vários tipo de tarte, não menciona a Tarte Tatin, mas explica que a tarte à inglesa é uma tarte de frutas que se cozinha com a massa por cima. Nada portanto que não fosse conhecido. O que difere é a sua apresentação. A propósito aproveito para referir a importância de Ali-Bab na história da gastronomia, pseudónimo usado por Henri Babinski, engenheiro e gastrónomo e irmão do célebre médico neurologista que deu origem ao sinal de Babinski (private joke para médicos).

O sucesso desta tarte rompeu as fronteiras da província e chegou a Paris, aonde se tornou numa apreciada sobremesa do restaurante Maxim. Este facto teve grande impacto na sua divulgação, que a região da sua atribuída origem não deixou de aproveitar, passando-a a considerar uma doçaria regional, o que veio a justificar mesmo a existência de uma Confraria.

Foi também seu divulgador o escritor de gastronomia Curnonsky (1872-1956), considerado o «Príncipe dos Gastrónomos», que em 1926 a ela se referiu no livro «France Gastronomique: Guides des merveilles culinaires et des bonnes auberges françaises», uma obra precursora dos “Guias Michelin”. Foi ele quem divulgou a versão da sua origem acidental, transformando-a numa história credível. Nessa época já não existiam as meninas Tatin e o hotel já se chamava “Papin”, mas a tarte continuava a existir.
A verdadeira receita nunca foi tornada pública, mas existem inúmeras versões, em que apenas os ingredientes não variam: maçãs, manteiga, açúcar e farinha. É uma receita fácil de fazer e deliciosa. Não lhes deixo a receita porque está publicada em todo o lado. Só têm que escolher uma e experimentar.
Mas primeiro têm que decidir qual as maçãs que vão usar. Têm que ser maçãs que não se desfaçam, de preferência rústicas. As golden não são a melhor escolha, enquanto que as reinetas são preferidas por muitos. Depois há que escolher qual o tipo de massa: quebrada ou folhada. E até podem decidir usar outro fruto: pêras, alperces, etc.
Os puristas consideram que a Tarte Tatin se deve comer simples, tal como foi criada, mas outros acham que a mesma beneficia se for acompanhada com natas batidas ou gelado. E há quem a prefira morna. É tudo uma questão de gosto, que não vem para a história.

4 comentários:

A.Teixeira disse...

Em apreciação ( e agradecimento) a este poste (e aos anteriores sobre o açafrão) socorro-me de uma expressão que é querida a um dos meus filhos para estas ocasiões: que Qualidade!!!

E pensar que a autora se mostra desiludida por causa da baixa afluência ao seu blogue...

Blogues informativos desta profundidade tendem a ganhar os seus leitores com o aumentos dos artigos que contêm, através de quem anda à procura de referências específicas na Internet.

Porque, se o problema do blogue for a falta de tópicos, relembro que há ainda um pedido sobre a "Andouillette", uma sugestão sobre o Wok, além de vários outros tópicos que entretanto me surgiram e que já não disse nada, para não parecer abusador...

Ana Marques Pereira disse...

Obrigada pelas tuas palavras. Falta de tópicos não tenho. Os temas vêm de «não sei onde» e impõe-se. O meu problema é a falta de tempo. Um blog consome muito tempo e o meu é escasso. O pior é que se vai tornando um vício.
Logo que possa retomo as tuas sugestões.

Anónimo disse...

Para quem,como eu,se interessa mais pela contextualização do "prato"do que pelas receitas um blogue como este,com os temas trabalhados,é lido com muito agrado;um comentário meu perdeu-se(o fazedor de nozes de manteiga)e outro publicado;continue!

Ana Marques Pereira disse...

Resposta ao anónimo:
Também me acontece perderem-se as respostas, por razões que não são claras. Nesse caso é preciso repetir. Obrigado pelo incentivo. Continue também dando o seu «feed-back» que é a melhor ajuda.